sexta-feira, 17 de maio de 2019

FREUD, O FESTIVAL





Sigmund Freud, (Estudos sobre a histeria): depois de ter estudado Lacan, durante algum tempo, com um grupo de psicanalistas, estou  diante de um pensador, escritor, médico, experimentador que posso chamar de clássico. Seu estilo é nítido, apolínico,  não há grandes exaltações, mas o que aparece é uma moderação, uma prudência; ao contrário do seu discípulo mais famoso: Dr. Lacan; barroco, aliás, primoroso à sua maneira.

Freud soube “olhar”. Diante de um caso clínico, ele não se deixa levar pela subjetividade e se adiante com uma prudência a respeito e, com respeito da pessoa analisada. Só me surpreende o uso da hipnose no tratamento da histeria, porque isso não me parece muito científico e lembra os hipnotizadores de feiras ambulantes, “Freud e sua bola de cristal”?!

E aí começa o festival Freud: sob  hipnose ele consegue o que não conseguiria no estado dito normal; porque na hipnose é o inconsciente que fala sem as censuras do consciente (mas há o perigo do hipnotizador fazer do hipnotizado seu “cachorrinho” – e isso pois, supõe uma ética no uso da hipnose). É fácil o hipnotizador manipular o hipnotizado até inconscientemente. Mas parece que deu resultado e que Freud descobre um fato inédito, esquecido do analisado, e que o consciente escondia recalcando-o.

Mas Freud é um cientista honesto e consegue bons resultados, mas é humano e não um Dr. “Todo saber”; pode cometer erros que ele mesmo reconhece. Inconscientemente pode induzir o analisando a dar informações deturpadas. Será que para o paciente esse método funciona? Parece que sim,  mas há recaídas. A psicanálise acredita com o eu cartesiano “tudo saber” e, diz que esse eu pode ser enganado pelo inconsciente. O eu não é um pêndulo que balança por cima do real. O eu consciente faz parte de outros eus (inconscientes). Fernando Pessoa! Mas esse inconsciente também é fruto do meio social. “Ninguém fica histérico sozinho” e, mesmo se essas pessoas são ausentes ou mortas, elas continuam vivendo sua psique de analisando.

A grande virtude de Freud e ter desligado a psique do sistema fisiológico, até o ponto de inventar um novo esquema=inversão. A psique age no corpo e o deixa doente = a histeria e outras doenças.

Na área de ciências é uma verdadeira revolução; exatamente na mesma época em que Einstein revoluciona as teorias do universo. A ciência deixa seu lado burocrático, para com o artista “mergulhar”no problema e esquecer a toda potência do eu cartesiano.
Mas a virtude de Freud é de saber conservar esse espírito científico numa área movediça como é  a psique humana. Ele pode ter se enganado em certos casos, mas isso vem do princípio de incertezas da psicanálise. A ciência às vezes se engana (geocentrismo) e, a medicina mais ainda.

Freud é prudente como um velho sábio chinês e, tem a modéstia de se desculpar quando erra.

Além de sua obra em livros, há de considerar a personalidade do Dr. Freud e reconhecer nele um “honnête homme”, um “gentleman epistemológico” que sabe que lidar com seres humanos não é lidar com ratos brancos de laboratório. Trata-se de um caso excepcional de lucidez pesquisadora e crítica.
A psicanálise surge como remédio para uma ciência que estava cheia de cientificismo e que achava que já tinha descoberto a chave do “mistério”. Freud como  Einstein. Recoloca os relógios nas suas horas: entramos na era do indefinido, e isso, na própria ciência.

E curioso notar que os três homens que foram os pilares do século XX, foram três judeus: Marx, Freud e Einstein. Não é uma coincidência, porque a comunidade judaica é, por excelência, ligada ao livro. O que faz com que nossos judeus ocidentais sejam ligados aos livros; quer dizer, estudiosos.
A verdade científica é independentemente das ideologias, que são aliás, filosofias de botequim ou de mercearias.


Gilbert Chaudanne, escritor, pintor e crítico.

2 comentários:

  1. Muito esclarecedor. Me levou a uma entrevista que ele fez em estaçãocapixaba. Estou lendo-a.

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  2. Natanael, você iria gostar de dialogar com o Chaudanne. Estar na presença dele é de uma riqueza incalculável. Sempre surpreendente os encontros com ele.

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