domingo, 28 de maio de 2017

Jim Morrison e o imperativo democrático

























“Eu acredito na democracia”, afirma Jim Morrison. Essa defesa que ele fazia da democracia era recorrente. Numa ocasião, por conta de um pequeno acidente em um show dos Doors, como quem pedia calma para os seguranças, disse ele: “vivemos numa democracia”.

Afirmava que a liberdade era necessária para o artista, e “o que estamos testando é a questão da liberdade de expressão do artista”, disse ele. Mas não era bem isso que pensava o sistema conservador da época, sempre pronto para coibir essas ideias de liberdade que pregava Jim Morrison, de outros e como foi o caso da peça “The Living Theatre”, nos anos 70, que, a partir de “Paradise Now”, peça divisora de águas na história do grupo, Julian Beck e Judith Malina resolvem radicalizar ainda mais e propõem um teatro que buscava toda a potência do viver, sentir e pensar.

De fato, a democracia é um regime que assegura a liberdade, sendo ela própria, a liberdade, a prerrogativa para uma sociedade verdadeiramente democrática.

Mas a verdadeira democracia só se fortalece e se amplia com a participação de todos, para que não venha a ser prerrogativa de alguns poucos decidir por muitos aquilo que pertence a todos. Quando isso ocorre, quando se deixa que poucos decidam por nós, as piores injustiças começam a acontecer. Foi o que afirmou Jim Morrison, lamentando a passividade das pessoas:

“Lamento que tantas pessoas vivam tão omissas e indiferentes, enquanto tantas injustiças estão acontecendo”.

A alienação da conformidade era algo que Jim Morrison não perdoava. Sua postura era de total inconformismo com a acomodação que ele via nas pessoas. Dizia:

“Acho isso muito triste. É quase como se as pessoas fossem programadas por alguma alta autoridade, desde o nascimento até a morte, para viver uma existência bem ordenada e programada. É trágico, cara. É trágico.

A democracia, quando deixada que poucos ou um grupo seletivo decidam tudo em nosso lugar, o Estado se reduzirá a um grande aparato disciplinar, movendo toda a sua engrenagem policialesca e repressiva contra o próprio indivíduo.

Jim Morrison costumava defender sempre a democracia, mas deixava muito bem claro que falava de uma democracia como forma de soberania popular, com a participação e decisão de todos, ideia fundamental da democracia verdadeira, tal como dizia Rousseau, filósofo que Jim Morrison havia estudado quando ainda estava na UFS – Universidade da Flórida, antes de transferir-se para a UCLA.

A democracia como afirmação da vontade de cada um, pensa Jim Morrison, pois, se eu passo a minha vontade para a vontade de um outro, ele começa a passar por minha vontade, ou seja, ele vai começar a agir em nome da minha vontade, sendo que ela é a vontade de um outro.

Jim Morrison convidava, encorajava, apelava à coragem de cada um a pensar por si próprio, pois somente ai a liberdade podia raiar. E somente ai podemos encontrar o terreno fértil para a democracia plena, tal como ele defendia.

Sabia que a melhor coisa na vida é a liberdade”? “Sou o homem da liberdade, sou o homem da liberdade, tal foi a sorte que tive”, recitou tenazmente para o público.

Podemos tudo quando estamos juntos, afirmava ele. Uma afirmação que trazia em seu interior a capacidade de quebrar os agenciamentos e os interditos formados pela clivagem dos indivíduos. Essa forma de estar juntos, de podermos tudo quando agimos juntos, é o zênite cabal que dá forma à democracia. Não podemos ceder a nada que quebre com essa possibilidade de “erguermos juntos um novo campanário” de consagração à forma de vivermos juntos. “Trata-se sempre de liberar a vida lá onde ela é prisioneira”, como afirma Deleuze.

Sendo a democracia a forma mais digna e mais plausível de se viver juntos, posto que ela assegura as liberdades, como diz Jim Morrison, ela própria só pode ser assegurada com a participação consciente dos indivíduos. Caso os indivíduos se resignem a uma “vida de gado”, apassivados, alienados de suas próprias vontades, teremos deixado que outros decidam por nós, que nos conduzam. Logo sentiremos o esmagamento desta servidão.

Entretanto, para que não se venha a cair em tamanha alienação, Jim Morrison afirma que as pessoas deveriam participar mais ativamente, ao invés de designar todo o seu poder a uns poucos indivíduos”.

Jim Morrison via na democracia plena o lugar onde habitava as possibilidades de recriar as múltiplas e plásticas maneiras de vivenciar a liberdade necessária para abarcar o continuum do tempo subjetivo de vivencia, tornado possíveis a autonomia e a liberdade dos indivíduos e de segmentos da vida e das subjetividades.

Nesse processo, revisitar os limites e as proposições de Jim Morrison é sempre um convite ao inconformismo, ao exercício da crítica, à capacidade de indignação, imersos no sensível universo de uma arte que buscou retirar da letargia os seus fruidores [Patriota, p.15]

Em todas essas instaurações pensadas por Jim Morrison, reativa-se a função poética-política da vida como forma de arte, produzindo uma resistência à tentativa de perverte-la.


Valquiria Asche de Paula – formada em psicologia e mestranda em psicologia social [UFABC]
Zélia Siqueira – formada em jornalismo (FAESA) e artes (UFES), é fotógrafa, escritora, poeta e pintora.

sábado, 13 de maio de 2017

Paraty





Da janela observo pássaros a voar em cantorias, rumo aos montes.

Lá fora, borboletas desenham cores sobre o manto verde. Uma mais adiante, com enormes bordados alaranjados sob as asas, circundadas por linhas negras, é seguida por mais duas em tons alegres. Uma de um amarelo claro e outra de um azul anil, com matizes dourados.

Enormes borboletas festejando o fim das chuvas.

Eis que o lírio branco as recebem ofertando o seu perfume gratuito e natural. Enquanto que elas dançam radiante entorno dessa bela flor, dos meus secretos jardins... "Jardins das delícias"... Bernadette Lyra.

E com os primeiros raios de sol, após a tempestade que trouxe tormentas ao povo, infindas flores desabrocham nos bosques desse caminho onde percorro. E traz oferendas perfumadas, sobretudo à alma humana que ainda chora as perdas irreparáveis da tragédia.

O perfume que delas exalam atrai a vida. E a vida, "não pesa mais que a mão de uma criança", escreveu em seu poema, Drumnond, para dizer sobre o peso suportável do mundo.

Ouço um canto novo, um canto de esperança da vida que sorri lá fora... e liberta o ser da escravidão da dor.






Zélia Siqueira

Um caso de amor com a natureza





                                                                                                                   
Ao ler a crônica, "A respeito de árvores e de Katmandu", da nossa querida escritora, Bernadette Lyra, me vi mais uma vez, possuída deste mesmo sentimento que a emocionou e que, confessadamente, a finaliza manifestando: "eu chorei feito criança a quem roubam o brinquedo de maior estimação". Sentimento este revelado diante da dispare e cruel realidade desses novos tempos de incertezas e contradições. E, como  dizia Drummond, "a vida não pesa mais que a mão de uma criança"; então navegar é preciso, já dizia o poeta maior, já que viver não o é.

Parece que o sentido da vida vai diluindo a cada momento, com maior velocidade nesse bonde chamado desejo, de ter e não de ser. "Caminhar, observar e imaginar", são atos solitários e silenciosos de seres lúdicos que sonham em voar, ainda que com uma só asa, e voam... Voam ao encontro de suas próprias profundezas interiores que os tornam tão gigantes, nesse trem que descarrilha ladeira abaixo.


Como a cronista, também chorei ao regar as árvores com a pouca água de uma terra seca, do lugar de minhas origens; que em outros tempos era terra de floresta e de animais. E vendo suas copas frondosas em festa com os pingos d'água que jorravam em suas folhas, me encontrei em estado de epifania. As abracei, acariciei e, num cúmplice diálogo de irmandade, derramei lágrimas numa comoção que só habita os seres sensíveis. Momento em que não pude deixar de relembrar daquela árvore florida que avistava da minha varanda urbana, onde a passarada fazia morada.
Pardais e bem-te-vis cantarolavam suas melodias naqueles dias outonais daquela cerejeira em flor, com beleza grandiosa e deslumbrante, que encantava as minhas manhãs. Enquanto saboreava o café para a lida de um novo dia, apreciava a sinfonia dos pássaros em festa, naquela aquarela rosa em flor, que me confundia com o impressionismo dos Jardins de Monet.
Eis que neste outono me deparo com sua ausência. Aquela bela árvore, que foi exílio de tantas aves expulsas do paraíso, que migram para as cidades em busca do alimento - já que o seu habitat natural foi desconfigurado - foi arrancada para dar lugar à especulação imobiliária e ao acúmulo de riquezas centrado em tão poucas mãos, enquanto muitos nada têm.

A magia se despediu. Já não é a mesma sinfonia os cantos da passarada. "As aves que aqui gorjeiam, não gorjeiam como lá", já dizia Gonçalves Dias e, parafraseando Paulinho, onde bem-te-vis andavam por um jardim em flor, enquanto eu chamava os bichos de amor...




Zélia Siqueira

sexta-feira, 12 de maio de 2017

Jim Morrison - das injustiças


Maravilhoso e necessário, nesses tempos de alienação, onde exige uma potência que reafirme a existência dos indivíduos em sociedade. E essa potência nunca vem, se não, daqueles que não se conformam com o que está posto. Jim Morrison, nesse sentido, foi um dos últimos a irromper contra essa ordem: 

"“Lamento que tantas pessoas vivam  tão omissas e indiferentes, enquanto tantas injustiças estão acontecendo. Acho isso muito triste. É quase como se as pessoas fossem programadas por alguma alta autoridade, desde o nascimento até a morte, para viver uma existência bem ordenada e programada. É trágico, cara. É trágico. ”