"Campo de trigo com ceifador" Van Gogh (1889)
Quando se olha os quadros de Van Gogh, sobretudo as paisagens, temos a impressão que eles são aspirados por uma grande boca invisível. Uma sensação não de perda, mas de fuga, como se o mundo fugisse de si mesmo para abolir-se no infinito.
Quando se olha os quadros de Van Gogh, sobretudo as paisagens, temos a impressão que eles são aspirados por uma grande boca invisível. Uma sensação não de perda, mas de fuga, como se o mundo fugisse de si mesmo para abolir-se no infinito.
E se isso não aparecer nas figuras, fica
em evidência em quadros como “o jogo de
bilhar” ou “o quarto de Vicent” e, de uma maneira evidente, nas paisagens. Essa perspectiva é “forçada” e cria
esse efeito de fuga, que cria uma aspiração no quadro, uma “invaginação”. Não é
o imponderável do impressionismo manso, delicado; aqui em Van Gogh, é como um
vento forte que balança tudo.
Van Gogh, na sua pintura, é um
camponês. Ele é atraído pelo campo, pela
terra do campo e seu sol sagrado. Um paraíso perdido para Van Gogh, que o
percorre a grandes passos como um incêndio ambulante (sua cabeleira ruiva);
paraíso perdido porque a paisagem é engolida no seu infinito e como retorno,
cria um vento que balança todo o quadro. Uma espécie de tempestade vinda do
Buraco invisível, mas presente e que se manifestará no tiro de revolver e o
Buraco no coração de Vicent.
Enganamo-nos em associar demais Van
Gogh à sua pintura. Se há uma relação, ela é de um paralelismo e não de
convergência.
Van Gogh é o trigal balançado pelo
vento e não é. Van Gogh é um céu de tempestade azul da Prussia e não é. Tanto a
paisagem pinta Van Gogh quanto Van Gogh pinta a paisagem. É fenomenológico e
não psicológico; expressionista ou essencialista.
Uma pintura desse tipo é muitas vezes
catalogada como expressionismo, mas o expressionista projeta sua subjetividade
no que vai pintar. Aqui há isso mas há o
contrário: a paisagem se projeta em Van Gogh, fazendo assim um jogo de espelho
até o infinito (reflexão abissal): Van Gogh não é suficientemente narcísico
para se ver em todas as coisas. Ele é mão de ouro tanto afetivamente como
esteticamente. Sua pintura é ontológica, quer dizer: ele pinta um dos rostos
possíveis do ser. Vicent sente a paisagem como algo meio “máquina”, meio
estranho e belo. A mesma coisa para os modelos humanos: o carteiro Roulin com
sua grande barba ondulada e ruiva lembra os trigais.
Van Gogh, como todo artista bom, cria
uma unidade no mundo que antes dele não era visível. Da mesma maneira Mona
Lisa. Leonardo da Vinci nos permite reconhecer as “Mona Lisa” na rua.
O artista é um abridor de olhos (às
vezes de lata de sardinha, fome...). “Il
donne à voir”, escreve Aragon, se não me engano. Ele nos faz ver as coisas como
elas são (Elisabeth Bishop).
É uma grande besteira qualificar a
pintura de Vicent de subjetiva, ligando sua obra com sua vida sofrida. Não é o
sofrimento que fez Vicent pintar, porque sua pintura, em geral, não é
essa vertente sofredora da vida. Seus trigais não são desesperados, eles cantam
uma ária de opera poderosa.
O blábláblá dessas conversas a
respeito da sua vida, quer nos fazer acreditar que os grandes artistas são
anormais, doentes. Ora como escreve Antonin Artaud, os quadros de Van Gogh, são
quadros da saúde. Vicent nunca foi louco, os zés manés fabricaram sua loucura
porque esses querem que todo mundo seja como eles= burros.
Mas Van Gogh perdeu sua vida e ganhou
sua morte no trigal – uma morte de Samurai (para ele que gostava tanto de
estampas japonesas). Ele morreu como um grande guerreiro, para salvar sua honra:
a honra reconquistada de Vincent Van Gogh.
Gilbert Chaudanne, escritor, pintor e crítico.