Não tenho grandes simpatias por datas comemorativas, mas desde muito além de ontem, me pego relembrando do meu velho pai. Às vezes, de pequenos detalhes que passeiam na minha memória, dos tempos em sua companhia, quando vivíamos no campo. De quando viajava na garupa de seu cavalo, em noites de lua, enquanto ouvia suas estórias comoventes, para me entreter do cansaço da longa viagem. Eu, ainda muito pequenina, me envolvia de tal modo que o implorava para contar mais e mais estórias. E era tudo o que ele queria. Aí ele caprichava floreando as estórias da Dona Corochinha; de Guimá e Guimarães, e muitas outras que já nem me recordo mais. Mas o que eu me recordo mesmo, era da emoção que vertia do meu ser pequenino, ao ouvir aquelas estórias tristes e alegres ao mesmo tempo. Porque no final de cada estória tinha sempre uma alegria, que eu aguardava com o coração apertadinho de criança. Sempre tinha um final feliz, como foi a minha vida em sua companhia. .
Mas feliz mesmo era quando Vulcão uivava, nas várias madrugadas de lua cheia, para anunciar as suas chegadas, das longas viagens sem mim. Era na lua cheia que ele sempre escolhia para voltar para casa. Meu pai era um viajor e passava meses longe de casa. Não que ele abandonasse a gente. Ele ia buscar o nosso sustento. E para não esquecer, Vulcão tinha a cor dos meus cabelos e era um cão boiadeiro de um tamanho, coragem e uma força que nunca vi igual. Creio que herdei a coragem do Vulcão. Na bagagem vinha o que mais me alimentava o espírito de artista. Além de ter notado, ainda muito cedo, minhas habilidades criativas, ele soube estimular essa pulsão de vida em mim. Portanto, nunca me faltava material para pintar, desenhar e ler.
Lembro-me de algumas vezes ele me pegar observando
passarinhos, besouros multicolores; borboletas. Noutras, as cores das pequenas
flores silvestres, da luz que se projetava nas árvores e refletia em suas
folhas, sombreando o chão com grafites naturais, que eu os transportava para
meus desenhos. Um mundo mágico que se desvendava para mim e ele soube
compreender e estimulou, à sua maneira muito sábia, a minha criatividade. Por
isso até hoje eu me encanto com as dádivas da natureza.
Pai é aquele que dá
amor a uma criança. E o amor vem de várias maneiras. Essas que descrevo aqui,
foram o fermento do pão da vida. O pão que me deu vida.
Zélia Siqueira – formada em jornalismo (FAESA) e artes (UFES), é fotógrafa, escritora, poeta e pintora.
Tens a alma feita de fermento do bom. Massa da boa. Que redunda em textos sensíveis como este.
ResponderExcluirObrigada.
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