terça-feira, 10 de setembro de 2019

TRAMAS


                                                                        
                                                                                                       Obra de Bispo do Rosário




Quem deseja tecer deve partir de uma “urdidura”. Não importa se são tecidos, textos, ideias, ações ou utopia que desejamos tecer: é sempre de uma urdidura que se parte. “Urdidura” vem de “ordo”, “ordem”. Como ensina Espinosa em sua Ética: em tudo há “ordo”, mas “ordo” não é tudo.  Toda urdidura é feita de fios dispostos retamente, como um destino, e disso já sabiam as mitológicas Moiras, que urdiam o destino dos homens. Mas apenas uma urdidura não forma um tecido de vida: é preciso a “trama”. A trama nasce de um fio que passa transversalmente pela urdidura: a trama acrescenta ao férreo destino a invenção de fugas, de “linhas de fuga” e “rizomas”. As árvores possuem raízes urdidas fixamente no espaço, raízes que as tornam imóveis; já os rizomas são plantas de horizontamentos e conectividade : suas raízes são tramas-agenciamentos bordando nova paisagem.

Toda urdidura é sempre igual: reta e determinada. Porém, há múltiplas formas de se fiar uma trama. Não há trama sem uma urdidura, isso é certo; porém não existe   tecido, de pano ou social, sem a invenção de tramas. Da “Moira Social” que o urdiu louco, Arthur Bispo do Rosário reencontrou sua transversal, e assim tramou sua lucidez como fuga da normalidade reta dos que pensam igual. Embora toda trama parta de uma urdidura, nenhuma urdidura pode determinar que trama se inventará a partir dela.

Gramática é urdidura, poesia é trama; cartilha  é urdidura, pensar é trama; família é urdidura, amor é trama; Estado é urdidura, sociedade é trama; código jurídico é urdidura, justiça é trama; sistema político é urdidura, democracia é trama.


Elton Luiz Leite de Souza - Escritor, doutor em filosofia e profo. da UNIRIO - Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e Faculdade São Bento do Rio de Janeiro.