terça-feira, 15 de maio de 2018

MAI 68 NA FRANÇA - Maio de 68 na França = 50 anos










Greve geral. Gente e mais gente desfilando nas ruas de Paris e de toda cidade que tinha uma universidade. Todo mundo analisando o que queria dizer: ser francês em 1968, numa sociedade próspera e dita de consumo. E logo o que surgia desses diálogos, era justamente uma revolta contra essa sociedade unidimensional. Era o advento do homem unidimensional de M. Marcuse.

Para a geração dos meus pais, depois das privações e dos traumas da guerra mundial e a humilhação da ocupação alemã, não era compreensível que se pudesse revoltar numa sociedade onde o cidadão vivia bem; com salário descente, com assistência da medicina gratuita e outras vantagens. O operário muitas vezes tinha um carro. Mas para nós, os filhos da geração da guerra; aqueles que como eu tinha 20 anos em 68, era uma verdadeira primavera e o ápice do movimento foi maio de 68. O mês da primavera. Nós florescemos como as cerejas! Eu senti pela primeira vez, qual era o cheiro da liberdade.

A chamada sociedade de consumo era, aparentemente, de veludo. Mas esse veludo escondia um jogo de pregos e de injeção que era chamado pelos revoltados, de alienação. Quem foi a cabeça do movimento foram os estudantes das Universidades, depois os operários e até os estudantes dos Liceus. A gente descobria a liberdade que teoricamente está no estatuto da França, mas que na prática vivíamos num estado altamente vigiado.  Essa liberdade era de plástico. Era uma sociedade altamente racional, na qual qualquer palavra ou gesto diferente, era considerado como manifestação de um surto psicótico. Não ia para a cadeia, mas ao manicômio.

E eu, como estudante apaixonado pelo conhecimento, sentia como diz Freund, um mal estar na civilização francesa e ocidental. Mas ficava na minha; só explodia de vez em quando, contra os professores, o que praticamente ninguém fazia antes de 1968. O resultado é que eu era catalogado como um cara meio maluco, tanto pelos estudantes, quanto pelos professores. 

O movimento de 68, no plano da Universidade, era contra o que se falava que era, “um curso magistral” – de um lado o professor com “todo saber” e do outro o estudante epistemologicamente virgem, curvado sobre seus cadernos anotando a voz do mestre. Diálogo não havia, fora com um ou dois professores não convencionais.

Mas maio de 68 ia muito mais longe que uma revolta no palácio do saber. Era uma revolta contra a sociedade de consumo na qual o homem se transforma no objeto que ele comprou. O caso mais evidente era o carro. Objeto-fetiche por excelência, que serviu para construir barricadas naquela velha tradição das revoluções de 1830, 1848 e 1870. Os tempos mudaram; os carros serviam a uma causa nobre e explicitava a revolta justamente com o totem principal da sociedade de consumo: o carro.

Obviamente, nossos pais que até quase passaram fome durante a guerra e que viveram essa guerra de uma maneira que podia ser traumática (meu pai, preso pelos alemães, ficou um ano, talvez mais na Austria), não entendiam essa revolta de meninos mimados. Durante os “acontecimentos”, como se diziam na área governamental e na mídia, fui até contra o movimento, vendo nos meus colegas uma revolta de meninos mimados que faziam discursos imensos com uma “fraseologia” marxista cheio de clichês, como Rádio Tirana, da capital da Albânia comunista, mas pró-maoista e inimiga da União Soviética. Esses revoltados eram tão alienados como o Zé Mané de plantão. E o resultado é que eu fiquei revoltado contra a sociedade de consumo, mas também contra os que eram contra ela - um revoltado contra a própria revolta – o que fez com que os “revolucionários” de plantão e de livros me olhassem de uma maneira oblíqua, não sabendo onde me colocar naquele maniqueísmo que se tornou a França em 68: a favor ou contra. E eu estava contra. A favor e contra os que eram contra. Esse maniqueísmo é típico de pessoas que não pensam por si, mas pelas convenções sociais ou através de um prêt-à-porter: uma ideologia.

Mas há de reconhecer que Maio de 68 na França, fez que finalmente os franceses falassem uns com os outros, porque com a sociedade de consumo o consumidor perde a fala; perde a própria identidade e o valor de uma pessoa se mede através da sua aparência: roupa e, sobretudo, o carro. Objeto-fetiche por excelência; o refrão americano = vencer na vida: The Winner. A arte conhecimento não valia mais nada ou devia seguir Diktat uma ideologia.

Uma sociedade desse tipo é condenada a todo tipo de alienação, onde temos uma loucura coletiva e uns rituais coletivos que nos levam até alguns milênios atrás: na horda primitiva onde o pai é assassinado pelos filhos. A revolta de 68 tem esse lado psicanalítico da juventude se revoltando contra o pai: o general Charles de Gaulle, presidente da república. Grande estadista,  mas incapaz de entender essa revolta. O tempo passa e a história coloca os heróis nos sarcófagos da pátria.

Houve uma mudança de mentalidade em relação à sexualidade (pílula) e a exaltação do erotismo nos filmes e na TV. Mas para mim nada mudou; era aquela França rançosa, com o espírito pequeno. Minha revolta recusava todo tipo de leitura. Por isso, como tantos outros, peguei o caminho da Índia para ver se lá, neste país meio mítico, para um ocidental, eu pudesse ver em ação, a realidade do espírito: a busca da chave perdida do “fenômeno humano”.

De uma certa maneira essa viagem e outras na Ásia, na África e na América do Sul me mostraram uma sociedade que não tinha perdido o senso ou sentido dos mitos. A França cartesiana tinha tentado me castrar na minha imaginação e na busca do mito. Mais longe ainda que a imaginação: precisava de uma nova maneira de pensar objetivamente, mas sem a razão ou essa, como pequeno ponto
  de apoio, em certos casos.

E o espetáculo de ver humanos adorando um elefante sagrado e nutrindo os ratos como ajudante do Deus Genesh (de cabeça de elefante) – milhares de ratos – e esse grupo religioso que colocava uma proteção – pequeno pano diante de sua boca  para não engolir os micróbios – não para se proteger, mas para não prejudicar os micróbios. Se você vai à Índia, ao sair de lá não será mais o mesmo.

Maio de 68 parecia tão pequeno diante dos Deuses Indianos, que me dei conta de que a França e a Europa em geral, são apenas uma parte menor da Ásia e que o centro energético dessa se situa na Índia, na China, no Tibete e outros lugares, mas principalmente esses.

Quando voltei na França (71), havia ainda, de uma certa maneira, a continuação de Maio de 68, mas no fim da década de 70 o movimento foi digerido e até usado como produto (cartaz, livros, fotos de 68) completamente pervertido pelo poder do vovô de Gaulle e seus filhos Pompidou e Giscard d´Estaing. 
 A França voltou a sua normalidade de alienação e 68 foi absolvido como produto. Os líderes, como Cohn-Bendit, era deputado ou senador na Alemanha (seu país).

Quando “desembarquei” em Paris em 83, vindo do Piauí, compreendi logo que 68 estava morto e enterrado. Por isso que eu e mais alguns somos dinossauros: fósseis testemunhas de uma época que não existe mais. Tenho saudade daquela paixão de se expressar e de colocar na mesa de cirurgião a velha França, cada vez mais esclerosada. Marianne (símbolo da República) chora. Eu não choro porque já esgotei minha reserva de lágrimas nas atribulações da minha vida.

Mas sem 68, provavelmente não seria eu aquele que eu sou. 68 foi um relógio, uma bomba-relógio que explodiu meu pobre eu francês, pequeno e raquítico e me abriu para o mundo. Para o melhor e para o pior. 68 morreu – sim – mas ele já está ressurgindo devagar e com mais violência. Estou dizendo: se prepara que dessa vez vai ser uma revolta sem o amor do próximo.

Gilbert Chaudanne – Escritor, pintor,  crítico de arte e de literatura.