sábado, 2 de setembro de 2017

Antonin Artaud e Jim Morrison


Antonin Artaud é um escritor francês, teatrólogo e desenhista. Antes de morrer ele fez um programa de rádio em 1948; que não foi ao ar porque os diretores da rádio nacional francesa, ficaram apavorados pelos gritos e maluquices como o qual Artaud interpretava seus textos. E quando ele fazia "palestras", deslizava da linguagem falada para a linguagem corporal; imitando, por exemplo, alguém que morre da peste; o que deixava o público perplexo: louco ou gênio?

Artaud teve mais influência no teatro nos Estados Unidos, no Japão e no Brasil; mas não na França. O Living Theater, que vi em 1969, tirando seu lado erótico exibicionista, deve muito a Artaud; inclusive nessa reabilitação do corpo.

Jim Morrison (The Doors) entrou nesse trem artaudiano. No caso, se fala muito em expressão corporal: Artaud é o pai da geração de 68; mas com uma grande diferença: se tanto Jim Morrison como Artaud trabalham com o corpo, Jim usa a vertente dionisíaco-erótica desse corpo; e Artaud apresenta um outro corpo: "Um corpo sem órgãos" e, pois, com desprezo, latido do próprio corpo; considerado como essencial mas ao mesmo tempo como uma entidade idiota quando é sexuado. Artaud, para chegar ao "homem - em si" o castra. Jim Morrison, faz o contrário; ele exalta seu erotismo e, paradoxalmente, se encontra no mesmo ponto: o corpo atuando como o sem órgãos e o fumacento espírito relegado fora de todos os palcos.

Tanto Artaud quanto Jim Morrison, eram homens do palco; do corpo no palco, e o rock era uma música dos ritmos corporais. O corpo pensa no rock de Jim Morrison e no teatro de Artaud.

Por isso que "papai" Artaud e "filhinho" Jim Morrison, escandalizavam e hipnotizavam corporalmente o público. E, paradoxalmente, essa denegação da espiritualidade desemboca em algo que tem uma dimensão de estranha transcendência.

Eu o vi por acaso, Artaud, naquela sua apresentação no rádio em 1972 (desde 48 estava proibida) e fiquei completamente transtornado como se os textos e a voz metálica, fora dos padrões de Artaud, tivesse o poder de fazer surgir em mim o meu avesso. Mesma sensação quando Jim Morrsion com seu vozeirão e sua poesia grita a ausência de sentido, ou o sentido exclusivo da vida como ela é.

São dois xamãs que fizeram o público entrar em transe; o que, aliás, pode acontecer cada vez que você tem uma arte digna desse nome - a música e o canto - sendo o caminho mais direto. E Artaud, no rádio, inventou uma música que lembra mais os japoneses (xilofonia) minimalistas; enquanto o rock é, aparentemente, o contrário: o (maximalismo), o excesso, o orgasmo. Artuad consegue uma espécie de transe pela estranheza minimalista; Jim Morrison pelo o oposto, mas o resultado é o mesmo, o público termina andando ao lado do seu próprio eu, ao lado do seu próprio corpo, se tornando o outro que ele era mas não sabia ("Eu é um outro" A. Ribaud).

Mesmo com suas diferenças, Artaud e Morrison se encontram num grande grito de raiva; de revolta diante de uma humanidade de "cachorros molhados". O sistema não gosta que você seja você. Ele quer marionetes, uns fantoches que se pode manipular à vontade e até alguns artistas traidores colaboram com essa farça que hoje renasceu com o nome de globalização.

Alguém que realmente é ele mesmo já é uma bomba. Nem precisa abrir a boca, porque o sistema, a sociedade coca-cola, já o estigmatizou e tem um método e uns agentes para fabricar sua loucura ou sua morte, camuflado em suicídio ou overdose.

Não admiro o Artaud e Jim Morrison como "poetas malditos", mas como poetas autênticos; mesmo se essa autenticidade pode escandalizar certos doutores e as senhoras de nosso senhor. Quem é realmente o que ele é, sempre é um escândalo para os fantoches, os mascarados sociais.

Artaud - Jim Morrison, nunca vão parar de gritar até além de suas mortes. Somos alguns que recolhem esses gritos e também gritamos cuspindo na insuficiência mumificada do mundo globalizado.

Gilbert Chaudanne - escritor, pintor, crítico de arte e  de literatura