Antonin Artaud é
um escritor francês, teatrólogo e desenhista. Antes de morrer ele fez um
programa de rádio em 1948; que não foi ao ar porque os diretores da rádio
nacional francesa, ficaram apavorados pelos gritos e maluquices como o qual
Artaud interpretava seus textos. E quando ele fazia "palestras",
deslizava da linguagem falada para a linguagem corporal; imitando, por exemplo,
alguém que morre da peste; o que deixava o público perplexo: louco ou gênio?
Artaud teve mais
influência no teatro nos Estados Unidos, no Japão e no Brasil; mas não na
França. O Living Theater, que vi em 1969, tirando seu lado erótico
exibicionista, deve muito a Artaud; inclusive nessa reabilitação do corpo.
Jim Morrison
(The Doors) entrou nesse trem artaudiano. No caso, se fala muito em expressão
corporal: Artaud é o pai da geração de 68; mas com uma grande diferença: se
tanto Jim Morrison como Artaud trabalham com o corpo, Jim usa a vertente
dionisíaco-erótica desse corpo; e Artaud apresenta um outro corpo: "Um
corpo sem órgãos" e, pois, com desprezo, latido do próprio corpo;
considerado como essencial mas ao mesmo tempo como uma entidade idiota quando é
sexuado. Artaud, para chegar ao "homem - em si" o castra. Jim
Morrison, faz o contrário; ele exalta seu erotismo e, paradoxalmente, se
encontra no mesmo ponto: o corpo atuando como o sem órgãos e o fumacento
espírito relegado fora de todos os palcos.
Tanto Artaud
quanto Jim Morrison, eram homens do palco; do corpo no palco, e o rock era uma
música dos ritmos corporais. O corpo pensa no rock de Jim Morrison e no teatro
de Artaud.
Por isso que
"papai" Artaud e "filhinho" Jim Morrison, escandalizavam e
hipnotizavam corporalmente o público. E, paradoxalmente, essa denegação da
espiritualidade desemboca em algo que tem uma dimensão de estranha
transcendência.
Eu o vi por
acaso, Artaud, naquela sua apresentação no rádio em 1972 (desde 48 estava
proibida) e fiquei completamente transtornado como se os textos e a voz
metálica, fora dos padrões de Artaud, tivesse o poder de fazer surgir em mim o
meu avesso. Mesma sensação quando Jim Morrsion com seu vozeirão e sua poesia
grita a ausência de sentido, ou o sentido exclusivo da vida como ela é.
São dois xamãs
que fizeram o público entrar em transe; o que, aliás, pode acontecer cada vez
que você tem uma arte digna desse nome - a música e o canto - sendo o caminho
mais direto. E Artaud, no rádio, inventou uma música que lembra mais os
japoneses (xilofonia) minimalistas; enquanto o rock é, aparentemente, o
contrário: o (maximalismo), o excesso, o orgasmo. Artuad consegue uma espécie
de transe pela estranheza minimalista; Jim Morrison pelo o oposto, mas o
resultado é o mesmo, o público termina andando ao lado do seu próprio eu, ao
lado do seu próprio corpo, se tornando o outro que ele era mas não sabia
("Eu é um outro" A. Ribaud).
Mesmo com suas
diferenças, Artaud e Morrison se encontram num grande grito de raiva; de
revolta diante de uma humanidade de "cachorros molhados". O sistema
não gosta que você seja você. Ele quer marionetes, uns fantoches que se pode
manipular à vontade e até alguns artistas traidores colaboram com essa farça
que hoje renasceu com o nome de globalização.
Alguém que
realmente é ele mesmo já é uma bomba. Nem precisa abrir a boca, porque o
sistema, a sociedade coca-cola, já o estigmatizou e tem um método e uns agentes
para fabricar sua loucura ou sua morte, camuflado em suicídio ou overdose.
Não admiro o
Artaud e Jim Morrison como "poetas malditos", mas como poetas
autênticos; mesmo se essa autenticidade pode escandalizar certos doutores e as
senhoras de nosso senhor. Quem é realmente o que ele é, sempre é um escândalo
para os fantoches, os mascarados sociais.
Artaud - Jim
Morrison, nunca vão parar de gritar até além de suas mortes. Somos alguns que
recolhem esses gritos e também gritamos cuspindo na insuficiência mumificada do
mundo globalizado.
Gilbert Chaudanne - escritor,
pintor, crítico de arte e de literatura