segunda-feira, 19 de junho de 2017

Nas esquinas - história e barbarismo



Sempre que estou em São Paulo, coisa que acontece com frequência, porque se tornou minha segunda morada, costumo ir ao “Bar Brahma”, bem na esquina da Ipiranga com a Avenida São João. Ali, na esquina das duas grandes avenidas, coração e alma dessa cidade de concreto; dos tempos de efervescência política, imortalizada na belíssima música de Caetano Veloso. Sampa, o fluxo dos acontecimentos se misturam às imagens e memórias de sua história.

Tomar o chopp blake, no Bar Brahma -  minha preferência nesses momentos – observando a defluência dessas duas avenidas em seu curso continuo, misturando com seu passado nos tempos de luta por redemocratização, quando a liberdade era escassa; já não temos tanto o estribilho do poeta que cantava “Caminhando e cantando e seguindo a canção”. Os tempos são bem diferentes. Mas a história anda se repetindo por esses trópicos, conforme o filosofo, ao dizer que “a história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa”. As duas coisas andam acontecendo no pais tropical. Golpes  e mais golpes.

Nas esquinas dessas duas avenidas, além da bela choperia, bancos, cinema, lojas, há pobreza, miséria, “e pelos campos há fome em grandes plantações", diz a canção dos anos sombrios.

Já não temos exército nas ruas, mas a iminência anda pelos ares. Certeza que temos ruas com pedintes cada vez mais crescente. Crianças fora de escola a espera do farol fechar, para pedir esmola. Idosos abandonados, dormindo nos bancos da praça que leva o nome de República, mas a coisa pública está cada vez mais privada.

Termino de tomar meu Chopp Brahma Black. Sigo pela calçada até o metrô. Enquanto sigo até a estação, todas aquelas imagens, que havia no começo, são desfeitas pelas imagens da dura realidade deste país dos golpes, que vai deixando as ruas, não com multidão reivindicando ou contra as mazelas sociais de nosso pais, mas com seus milhões de famélicos, crianças sem lar, sem escola, idosos agonizando no chão frio de inverno. Na Tv, diz a propaganda positivista do governo, o Brasil segue em “ordem e progresso”.

Mais uma olhada antes de descer a escada do metrô. O poeta me convida a deixar essa vista em tempos de barbarismo, dizendo: “Vem, vamos embora”. Os tempos são outros, mas que se repetem.


Zélia Siqueira – formada em jornalismo (FAESA) e artes (UFES), é fotógrafa, escritora, poeta e pintora.